Liv Lagerblad (1989—)

01846c8f-ffb5-4b2d-ab62-c70d1300e3ce.jpeg

Liv Lagerblad é poeta e artista plástica. Tem três livros publicados, o primeiro deles, um exemplar da coleção kraft, pela editora Cozinha Experimental, que leva o nome da autora enquanto título e atualmente está disponível como pdf gratuito. O segundo livro, chamado O cri§e, saiu pela editora Urutau. O terceiro, um livro de prosa poética, saiu pela parceria das editoras Garupa e Kza 1 e chama-se janelas abertas nº 3. Além disso há músicas soltas pela web, desde canções em que participa como compositora, até um disco com declamações, guitarra, ruído. A autora vive no Rio de Janeiro, onde nasceu, em 11 de setembro de 1989. Os poemas dessa publicação fazem parte do livro Ovípara, a ser lançado pelas Edições Macondo.

* * *

Eu queria ter um corpo ínfimo
menor ainda do que é meu corpo mínimo
o suficiente para desaparecer das vistas e viver
em comunhão com os ácaros & barbeiros
para não ser possível captá-lo por nenhuma câmera
nem mesmo aquelas que filmam
a absorção do sangue por mosquitos
eu queria ter um corpo que não tivesse orifícios
que não pudesse ser penetrado de forma alguma
que não tivesse sangue
e não pudesse manchar os lençóis de absurdo
eu queria ter um corpo que se fizesse de espinhos por dentro
que rasgasse quem tentasse tomá-lo

§

Corpo de infinitos retesados
abra em mim um corte longitudinal
meu sangue — vermelho vivo — falará o que não digo
tudo aquilo que me negam : meu sangue falará
há de escorrer pelo asfalto quente & fresco
dirá tudo quanto me faltou de verbo
arrebentará grilhões invisíveis
& dores reais escassearão com sua chegada
mas, como tudo, também ele oxidará

§

Lua travestida de víbora
na tarde ovípara
serpente alcançando a cauda
dissolve em terebintina
minha tia morreu com a cara grudada
na cola de sapateiro / que lástima
eu sempre me vi ali sem vê-la
aos dezessete tudo é brilho e fino
sinfonia de lapsos oxidados
fiquei presa no tempo passado
não perdoo um só orvalho
céu da boca fulo de cacos
mão ardendo de coices terrenos
não perdoo um só veneno

§

Deturpada ou não a fala é certeira
teu histórico aponta precedentes
me lembro do teu encanto
fazem já uns dez anos
depois provei teu desprezo
chegou aqui tua fala
dizendo que eu era um erro
e embora proceda notei o veneno
entre muitas estórias você falha
não que isso aponte algo
peca como pecamos todos
queríamos pôr fogo ali

Deixe um comentário