César Vallejo, por Fred Girauta

Em 2018, completou-se 80 anos da morte de Cesar Vallejo, poeta que fez parte do grupo vanguardista latino-americano que emergiu na década de 1920. Autor de um aobra singular, da qual se destaca Trilce, seu livro mais radical, onde Vallejo desenvolveu uma poética muito pessoal, com temas melancólicos sobre, entre outros, reminiscências da infância, experiência do cárcere, reprocessadas com uma depuração poética concisa, repleta de inversões sintáticas, morfemáticas, que dão ao conjunto de poemas uma dicção fragmentária. Tais obstáculos estéticos, que poderiam levar a uma leitura travada e difícil, são compensados por um desfrute quase musical dos poemas, fruto de sua vinculação a uma linguagem oral/coloquial. Esse amálgama entre escrita retorcida e musicalidade faz de Trilce uma obra única, onde convivem hermetismo e fruição.

No Brasil, temos duas traduções mais conhecidas, as de Thiago de Mello, que traduziu todos os 77 poemas, optando por uma tradução mais literal dos poemas, e a de Amálio Pinheiro, menos óbvia.

Na transcriação dos 77 poemas de Trilce, trabalho/obsessão de mais de uma década, procurei manter a radicalidade dos poemas, buscando, na medida do possível, encontrar soluções inventivas para as invenções trílcicas (para usar um termo de H. deCampos).

Fred Girauta é poeta, letrista e tradutor. Paulistano radicado no Rio de Janeiro. Graduado emPortuguês / Espanhol e suas respectivas Literaturas (UFF), mestre em Literatura Brasileira (UERJ). Autor de canções gravadas por Fred Martins, Beatrice Mason, Daniela Alcarpe, Dalila Couti. Publicou artesanalmente o Livro de poemas Poemas de Katmandu” (2008), a caixa de poemas visuais em caixa (2007), entre outras publicações artesanais. Mantém o site de poesia fredgirauta.blogspot.com.br. Publicou em 2013 o livro de poemas Nós pela Editora Vidráguas.

* * *

I

      Quem faz tanta balbúrdia, e nem deixa
provar as ilhas que vão restando

      Um pouco mais de consideração
que logo será tarde, cedo,
e se aquilatará melhor
a titica, a simples bodega tesudórea
que brinda sem querer,
no coração insular,
salobre alcatraz, a cada hialóideia 
            
largada.

      Um pouco mais de consideração,
e o adubo líquido, seis da tarde
DOS MAIS SOBERBOS BEMÓIS.

      E a península estanca
de costas, acabrestada, impertérrita
na linha mortal do equilíbrio.

I

      Quién hace tanta bulla y ni deja
testar las islas que van quedando.

      Un poco más de consideración
en cuanto será tarde, temprano,
y se aquilatará mejor
el guano, la simple calabrina tesórea
que brinda sin querer,
en el insular corazón,
salobre alcatraz, a cada hialóidea 
            
grupada.

      Un poco más de consideración,
y el mantillo líquido, seis de la tarde
DE LOS MÁS SOBERBIOS BEMOLES.

      Y la península párase
por la espalda, abozaleada, impertérrita
en la línea mortal del equilibrio.

§

II

            Tempo Tempo.

      Meiodia estancado entre relentos
Bomba emburrada do quartel esguicha
tempo tempo tempo tempo.

                Era Era.

      Galos cocorocam ciscando em vão.
Boca do claro dia que conjuga
era era era era.

                Amanhã Manhã

      O repouso quente que há de ser.
Pensa o presente me guarda para
amanhã manhã amanhã manhã

                Nome Nome.

      Que se chama tudo que nos feriça?
Se chama Omesmo que padece
nome nome nome nomE.

II

            Tiempo Tiempo.

      Mediodía estancado entre relentes.
Bomba aburrida del cuartel achica
tiempo tiempo tiempo tiempo.

          Era Era.

      Gallos cancionan escarbando en vano.
Boca del claro día que conjuga
era era era era.

          Mañana Mañana.

      El reposo caliente aún de ser.
Piensa el presente guárdame para
mañana mañana mañana mañana

          Nombre Nombre.

      ¿Qué se llama cuanto heriza nos?
Se llama Lomismo que padece
nombre nombre nombre nombrE.

§

III

      As pessoas mais velhas
Que horas voltarão?
Deu seis horas o cego Santiago,
e já está muito escuro

      Mamãe disse que não demorava.

      Amandinha, Marina, Miguel,
cuidado ao sair por aí, por onde
acabam de passar fanhoseando suas memórias
duplicantes penas,
ante o curral de silêncio, e onde
as galinhas que se deitando estão ainda
se espantaram tanto.
      Melhor estarmos aqui mais nada
Mamãe disse que não demorava.

      Já não tenhamos pena. Vamos olhar
os barcos !o meu é o mais bonito de todos!
com eles brincamos todo santo dia,
sem brigas, como deve ser:
ficaram na poça d’água, prontos,
lotados de doces para amanhã.

      Esperamos assim, obedientes e sem mais
remédio, a volta, o desagravo
dos adultos sempre na frente
deixando as crianças em casa,
como se nós também
                  não pudéssemos partir.

      Amandinha, Marina, Miguel?
Chamo, busco o tateio na escuridão.
Sem essa de me deixarem sozinho,
e o único recluso seja eu.

III

      Las personas mayores
¿a qué hora volverán?
Da las seis el ciego Santiago,
y ya está muy oscuro.

      Madre dijo que no demoraría.

      Aguedita, Nativa, Miguel,
cuidado con ir por ahí, por donde
acaban de pasar gangueando sus memorias
dobladoras penas,
hacia el silencioso corral, y por donde
las gallinas que se están acostando todavía,
se han espantado tanto.

      Mejor estemos aquí no más.
Madre dijo que no demoraría.

      Ya no tengamos pena. Vamos viendo
los barcos ¡el mío es más bonito de todos!
con los cuales jugamos todo el santo día,
sin pelearnos, como debe de ser:
han quedado en el pozo de agua, listos,
fletados de dulces para mañana.

      Aguardemos así, obedientes y sin más
remedio, la vuelta, el desagravio
de los mayores siempre delanteros
dejándonos en casa a los pequeños,
como si también nosotros 
                  no pudiésemos partir.

      Aguedita, Nativa, Miguel?
Llamo, busco al tanteo en la oscuridad.
No me vayan a haber dejado solo,
y el único recluso sea yo.

§

IV

      Rangem duas carretas, contra os martelos
até os trifurcos lagrimais,
quando nunca lhe fizemos nada.
Àquela outra sim, desamada,
amargurada sob túnel campeiro
por algum, e sobre duras gélidas
provas                          espiritivas.

      Estiquei-me em som de terceira parte
Mas a tarde – aquela que vamos ffazer–
se aninha em minha cabeça, furiosamente
sem querer dosificar-se em mãe. São
                                                os anéis.
      São os trópicos nupciais já mastigados.
O alhear-se, melhor que tudo,
rompe em Crisol.

      Aquele não ter descolorido
por nada. Lado a lado ao destino e chora
e chora. Toda a canção
quadrada em três silêncios.

      Calor, Ovário. Quase transparência.
Tudo se faz choro.      Inteiro se faz velado
em plena esquerda.

IV

      Rechinan dos carretas, contra los martillos
hasta los lagrimales trifurcas,
cuando nunca las hicimos nada.
A aquella otra sí, desamada,
amargurada bajo túnel campero
por lo uno, y sobre duras ájidas
pruebas                               espiritivas.

      Tendime en són de tercera parte,
mas la tarde —qué la bamos a hhazer—
se anilla en mi cabeza, furiosamente
a no querer dosificarse en madre. Son 
                                          los anillos.

      Son los nupciales trópicos ya tascados.
El alejarse, mejor que todo,
rompe a Crisol.

      Aquel no haber descolorado
por nada. Lado al lado al destino y llora
y llora. Toda la canción
cuadrada en tres silencios.

      Calor. Ovario. Casi transparencia.
Háse llorado todo.          Háse entero velado
en plena izquierda.

§

V

      Grupo dicotiledôneo, Aberturam
desdele petréis, propensões de trindade,
finais que começam, ohs de ais
achava-se abagatelados de heterogeneidade.
Grupo dos dois cotiledôneos!

      Vejamos.  Aquilo seja sem ser mais.
Vejamos. Não transcenda para fora
e pense em som de não ser escutado,
e crome e não seja visto.
E não derrape no grande colapso

      A criada voz rebela-se e não quer
ser rede, nem amor.
Os amantes sejam amantes na eternidade.
Então não deem 1, que ressoará ao infinito.
e não deem 0, que calará tanto,
até despertar e por de pé o 1.

      Ah grupo bicardíaco.

V

      Grupo dicotiledón. Oberturan
desde él petreles, propensiones de trinidad,
finales que comienzan, ohs de ayes
creyérase avaloriados de heterogeneidad.
¡Grupo de los dos cotiledones!

      A ver. Aquello sea sin ser más.
A ver. No trascienda hacia afuera,
y piense en són de no ser escuchado,
y crome y no sea visto.
Y no glise en el gran colapso.

      La creada voz rebélase y no quiere
ser malla, ni amor.
Los novios sean novios en eternidad.
Pues no deis 1, que resonará al infinito.
Y no deis 0, que callará tánto,
hasta despertar y poner de pie al 1.

      Ah grupo bicardiaco.

§

VI

      A roupa que vesti amanhã
não a lavou minha lavadeira:
lavava em suas veias otilinas
no jorro de seu coração, e hoje não
vou me perguntar se eu deixava
a roupa turva de injustiça.

      Aghora que não há mais quem vá às águas
em minhas pautas engatilha
o pano para empanar, e todas as coisas
do castiçal de tanto que será de mim,
todas não estão minhas
a meu lado.
                        Ficaram de sua propriedade,
aplainadas, estampadas com sua trigueira bondade.

      E se soubesse se há de voltar;
e se soubesse que amanhã entrará
entregando-me as roupas lavadas, aquela minha
lavadeira da alma. Que amanhã entrará
satisfeita, camapu de olaria, ditosa
de provar que sabe sim, que pode sim
                ¡COMO NÃO VAI PODER!
engomar e passar todos os caos.”

VI

      El traje que vestí mañana
no lo ha lavado mi lavandera:
lo lavaba en sus venas otilinas,
en el chorro de su corazón, y hoy no he
de preguntarme si yo dejaba
el traje turbio de injusticia.

      A hora que no hay quien vaya a las aguas,
en mis falsillas encañona
el lienzo para emplumar, y todas las cosas
del velador de tánto qué será de mí,
todas no están mías
a mi lado.
                  Quedaron de su propiedad,
fratesadas, selladas con su trigueña bondad.

      Y si supiera si ha de volver;
y si supiera qué mañana entrará
a entregarme las ropas lavadas, mi aquella
lavandera del alma. Que mañana entrará
satisfecha, capulí de obrería, dichosa
de probar que sí sabe, que sí puede
                                ¡CÓMO NO VA A PODER!
azular y planchar todos los caos.

§

VII

      Rumei sem novidade pela sulcada rua
em que me sei. Tudo sem novidade,
é vero. E fundeei para coisas assim,
e fui passado.

      Dobrei a rua pela qual raras
vezes se passa de boa, saída
heroica pela ferida daquela
esquina viva, nada mero.

      São as grandezas,
aquele grito, a claridade do cara a cara
o porrete submerso em sua função de
                                                            já!

      Quando a rua está olheirosa de portas
e propala desde descalços pedestais
transmanhecer as salvas nos duplos.

      Agora formigas minuteiras
se enfiam adocicadas, dormitadas,
quase indispostas, e se abatem,
queimadas pólvoras, dos altos de 1921.

VII

      Rumbé sin novedad por la veteada calle
que yo me sé. Todo sin novedad,
de veras. Y fondeé hacia cosas así,
y fui pasado.

      Doblé la calle por la que raras
veces se pasa con bien, salida
heroica por la herida de aquella
esquina viva, nada a medias.

      Son los grandores,
el grito aquel, la claridad de careo,
la barreta sumersa en su función de
                                                             ¡ya!

      Cuando la calle está ojerosa de puertas,
y pregona desde descalzos atriles
trasmañanar las salvas en los dobles.

      Ahora hormigas minuteras
se adentran dulzoradas, dormitadas, apenas
dispuestas, y se baldan,

quemadas pólvoras, altos de a 1921.

§

VIII

      Amanhã sendoutro dia, alguma
vez acharia pro sobressalto poder,
entrada eternal.

      Amanhã algum dia,
seria a tenda aprazível
com um par de pericárdios, casal
de carnívoros no cio.

      Bem pode fincar isso tudo.
Mas um amanhã sem manhã,
entre os aros de que viúvos seremos
margem de espelho haverá
em que traspassarei a própria fronte
até perder o eco
e ficar com a cara nas costas.

VIII

      Mañana esotro día, alguna
vez hallaría para el hifalto poder,
entrada eternal.

      Mañana algún día,
sería la tienda chapada
con un par de pericardios, pareja
de carnívoros en celo.

      Bien puede afincar todo eso.
Pero un mañana sin mañana,
entre los aros de que enviudemos,
margen de espejo habrá
donde traspasaré mi propio frente
hasta perder el eco
y quedar con el frente hacia la espalda.

§

IX

      Buzco devolvvver num golpe o golpe.
Suas duas folhas largas, sua válvula
que se abre em suculenta recepção
de multiplicando a multiplicador,
sua condição excelente para o prazer,
tudo a via verdade.

      Busco devolvver num golpe o golpe.
Ao seu afago, intrometo rugosas insurgências
os trintaedois cabos e seus múltiplos
se ajustam pelo por pelo
soberanos beiços, os dois tomos da Obra,
e não vivo então ausência,
                  nem ao tato.

      Falho volwer num golpe o golpe.
Não encilharemos jamais o taurino Babeio
de egoísmo e daquele bulir mortal
de lençóis,
desque esta mulher
                  quanto pesa geral!

E fêmea é a alma da ausente.
E fêmea é a minha alma.

IX

      Vusco volvvver de golpe el golpe.
Sus dos hojas anchas, su válvula
que se abre en suculenta recepción
de multiplicando a multiplicador,
su condición excelente para el placer,
todo avía verdad.

      Busco volvver de golpe el golpe.
A su halago, enveto bolivarianas fragosidades
a treintidós cables y sus múltiples,
se arrequintan pelo por pelo
soberanos belfos, los dos tomos de la Obra,
y no vivo entonces ausencia,
                    ni al tacto.

      Fallo bolver de golpe el golpe.
No ensillaremos jamás el toroso Vaveo
de egoísmo y de aquel ludir mortal
de sábana,
desque la mujer esta
                    ¡cuánto pesa de general!

Y hembra es el alma de la ausente.
Y hembra es el alma mía.

§

X

      Prístina e última pedra de infundada
ventura, acaba de morrer
com alma e tudo, outubro cafofo e prenhe.
De três meses de ausente e dez de doce.
Como o destino,
mitrado monodáctilo, ri.

      Como atrás desenganam juntas
de contrários. Como sempre assoma o algarismo
sob a linha de todo avatar.

      Como as baleias singram as pombas.
Como estes por sua vez deixam o bico
cubicado em terceira asa.
Como descavalgamos, de cara com monótonas ancas.

      Se reboca dez meses até a dezena,
até outro mais além.
Dois ficam ainda ao menos de fraldas.
E os três meses de ausência.
E os nove de gestação.

      Não há nem uma violência
O paciente incorpora-se,
e sentado empapuça tranquilas misturas.

X

      Prístina y última piedra de infundada
ventura, acaba de morir
con alma y todo, octubre habitación y encinta.
De tres meses de ausente y diez de dulce.
Cómo el destino,
mitrado monodáctilo, ríe.

      Cómo detrás desahucian juntas
de contrarios. Cómo siempre asoma el guarismo
bajo la línea de todo avatar.

      Cómo escotan las ballenas a palomas.
Cómo a su vez éstas dejan el pico
cubicado en tercera ala.
Cómo arzonamos, cara a monótonas ancas.

      Se remolca diez meses hacia la decena,
hacia otro más allá.
Dos quedan por lo menos todavía en pañales.
Y los tres meses de ausencia.
Y los nueve de gestación.

      No hay ni una violencia.
El paciente incorpórase,
y sentado empavona tranquilas misturas.

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