Bruno M. Silva nasceu em 1990, no Porto. Estudou Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Venceu a 17ª edição do concurso Aveiro Jovem Criador 2018 com o conto O Que São os Mortos?. Tem poemas publicados na revista Ler, na Enfermaria 6, na Tlön, na Gazeta de Poesia Inédita e no Jornal Universitário do Porto. Três dos seus poemas foram traduzidos para espanhol de forma a integrarem a antologia Lluvia oblicua. Poesía portuguesa actual, pela Valparaíso Ediciones.
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toda a noite, o fogo
daqui à morte será apenas um clamor
e homens à procura de um nome
entre clarões e cavalos doentes
a febre de um deus feroz
mil anos
e chove em Tróia
e daqui à morte serão as mulheres
a inchar como palmeiras
em frente aos espelhos
as crianças a engolir o nome
os barcos presos no sal
fizemos tudo
trouxemos a palavra, o incêndio
para que nos vissem um rosto saturado de beleza
ainda assim um deus feriu-nos
……………………………………ainda assim a morte
Tróia, meu deus, toda a noite, o fogo
de manhã, a luz nos meus olhos doentes
e um rosto que das águas emerge puro
§
é já longe de onde me falas
nada nos dirá
que foi daqui que vimos o mundo
ou aprendemos a dor de subir
a última manhã feita
sobre os nossos cabelos
o que disserem de nós estará certo
e será como uma luz junto aos olhos
para o lugar de onde me falas
e no entanto nada nos espera
apenas
o amor feito na escuridão das tendas
o lamber das borras do vinho
e uma garganta que se doira
ao despedir-se de ti
§
as flores de hopper
felizmente não te posso ver
se o teu rosto caísse sobre o mundo
teria a futilidade das flores
seria o campo de camélias e o dilúvio
é melhor imaginar-te assim terrível
espantando as aves nos Aliados
assustando os bêbados que descem o Carvalhido
com a serpente revolvendo no intestino
é sempre melhor imaginar que és tu que os aterras
que eles cambaleiam pelas ruas
porque juram que te entreviram
entre os urinóis do café
é sempre melhor não te ver
porque só a tua voz
transparente como os tigres de Borges
nos pode dilacerar de tanta beleza