Raphael Sassaki nasceu em 1988 e edita PDFs na Shiva Press (shivapress.tumblr.com). Os poemas publicados aqui são do livro A Destruição do Mundo, a ser lançado pela Douda Correria.
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babel
desculpa a demora
esqueci de novo de enviar seu i-ching
acho que eu estou me especializando
em pegar caminhos errados
os correios aqui já fecharam
mas achei esse livro que fala
da beleza das estruturas que
emanam de um mesmo ponto
fixo
entre as coisas que gostei de fazer hoje estão: 1-
perder tempo em pontos de ônibus
2- passar aflição por não achar livros de 7 reais
e meu deus como é bonito
o desenho mágico daquela avenida
é estranho dizer assim, mas eu e você
sempre soubemos, instintivamente
onde havia beleza
(e havia beleza em tudo)
quem nunca atravessou a rua errado
que jogue a primeira pedra
ontem o padre me contou a história
do menino de rua que cruzou o atlântico
só para renascer na cracolândia
e eu sei lá quantas músicas já ouvi hoje
enquanto via as fotos do seu rosto
pintado feito um príncipe yanomami
dizem que os deuses dos índios são todos canibais e
que as almas são feitas de ossos queimados
mas o certo é que hoje é de novo outro dia e
o verão acabou de começar
§
astrologs
sinais de leite no degrau de estrelas
passos predestinados
seu bazar beneficente
de corações amorfos
escaladas de mãos dadas
com espíritos na aclimação
dorme debaixo de astros grávidos
barulho de chuva em pesadas
enteléquias no rolê
sua boca selvagem forma
sortilégios primitivos
há desastres abertos
nas costelas rachadas
da catedral da sé
e a rua fecha os olhos como nosso amor
§
crowley
somos só
tribos estivais
buscando antídoto
a qualquer alegria
filantrópica
bisnetos de guaranis
e holocaustos
colhendo flashbacks
em darknets
ao sul do mundo
speakers fluentes
da barbárie
espalhando
novas vibrações
§
kiss me deadly
você diz: da mente rachada jorra o arco-íris
amor, palavras não vão salvar sua alma
(mas seus olhos são os relâmpagos
mais bonitos no céu apocalíptico
de são paulo)
ei, você não sabia
que estamos nadando no abismo?
que estamos fabricando mortes?
que estamos escondidos em teatros
de sonho elétrico?
que somos só bichos hipnotizados por
palavras
cometendo todos os dias os mesmos crimes
hoje choveu e lembrei que temos fogo por dentro
a vida não volta
e isso se chama liberdade
você diz: a dor da diferença
(é a felicidade das coisas
aí é quando sinto que vou acordar
meu cérebro é um monstro de 100 milhões de anos
deitado na cama
é uma língua mais velha que a gramática
e todas as palavras só formam constelações de loucuras
que chamamos mentiras
mas agora é quase meia noite
e as luzes da cidade já se enfiam
no silêncio do mundo
você diz: nós somos vida após a morte
você diz: foi um soco no escuro que te fez cair aqui
você diz: há um ruído pesado nestes sonhos
foi quando
§
o movimento giratório dos peixes
nosso papo é um círculo
que não para de crescer
em volta da praça roosevelt
sobretudo quando você fala
das três canções perdidas de lady dylan
ou diz que nem as ruas
nem os corpos
já nos pertencem mais
agora eu conto
todos os guarda-chuvas
no bar dos atores
e registro quase 69 ângulos
diferentes do seu rosto
enquanto você fala
dos teus sete flertes
e faz nossos planos
para os próximos
duzentos anos
e então ouvimos a
voz dos mortos
da Vila Munhoz
e vemos a vida perdida
de dona Zilda
e sabemos que
entre essas duas coisas
deveria haver todas
as chances do mundo
mas não há
e que nem por isso
você deixa de juntar
moléculas e gases
e qualquer outro
elemento interestelar
bem perto de si
e segue batendo seus
olhos castanhos em
todos os cantos da
cidade
acho que nenhum deus
sabe exatamente
onde vai dar o mundo
mas que o amor existe
isso não há quem duvide
a verdade está
alguns decibéis acima
do ouvido humano
e por cima passam
todos os bichos
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que saudade estava daqui. Bom ver que ainda está ativo ❤