Há cinco (5!, gente, 5!) anos atrás, eu declarei aqui, uma vez mais, em tradução, o meu amor. E prometi — os amantes prometem tanto — que continuaria a série O amor segundo Robert Creeley com os dois poemas longos, lindos, loucos, de RC, que não cabiam lá, “The act of love” e “For love”. Como nos erros que a gente faz no amor, larguei esses poemas na gaveta, que hoje saem do limbo simplesmente porque o Italo Diblasi veio me perguntar por eles, veio sem querer me lembrar da existência deles, e das traduções. Sei que também, como todo mundo, já deixei coisas do amor na gaveta, do jeito mais torto, e quero acreditar que vou tirando na hora certa, ainda em tempo, como estes poemas, estas renovações de promessas. Ainda para a Nanda.
Guilherme Gontijo Flores
* * *
Por amor
para Bobbie
Ontem, eu quis falar
dele, o sentido acima
dos outros para mim,
importante porque tudo
que conheço deriva
do que ele me ensina.
Hoje o que é que está
finalmente sem remédio,
diferente, desesperado
da própria afirmação, quer
afastar-se, infinitamente
afastar-se.
Se a lua não . . .
não, se você não,
então nem eu,
mas eu não
faria, que prevenção, que
coisa fácil de parar.
Eis o amor ontem
ou amanhã, não
agora. Posso comer
o que você me der?
Não mereci. Devo
pensar em tudo
como mérito? Agora o amor
também vira um prêmio tão
distante de mim que eu
o fiz somente em minha mente.
Aqui está o tédio,
desespero, um doloroso
senso de isolação e
excêntrico de autocrítica
pomposa. Mas a imagem
pertence à vaga estrutura
da mente, vaga para mim
porque é minha mesma.
Amor, o que eu penso
em dizer, não sei dizê-lo.
O que você virou pra perguntar,
no que eu te transformei,
parceira, boa companhia,
pernas cruzadas de saia, ou
tenro corpo sob
os ossos da cama?
Nada diz algo
senão o que ele deseja
que aconteça, teme
tudo que possa acontecer em
outro lugar, outro
espaço que não este.
Uma voz no meu lugar, um
eco do que é apenas no teu.
Me deixe tropeçar,
não na confissão, mas
na obsessão que agora
eu começo. Por você
também (também)
um tempo além do espaço, ou
espaço além do tempo, sem
mente que reste pra
dizer alguma coisa,
foi-se aquela face, agora.
Na companhia do amor
tudo retorna.
For Love
for Bobbie
Yesterday I wanted to
speak of it, that sense above
the others to me
important because all
that I know derives
from what it teaches me.
Today, what is it that
is finally so helpless,
different, despairs of its own
statement, wants to
turn away, endlessly
to turn away.
If the moon did not …
no, if you did not
I wouldn’t either, but
what would I not
do, what prevention, what
thing so quickly stopped.
That is love yesterday
or tomorrow, not
now. Can I eat
what you give me. I
have not earned it. Must
I think of everything
as earned. Now love also
becomes a reward so
remote from me I have
only made it with my mind.
Here is tedium,
despair, a painful
sense of isolation and
whimsical if pompous
self-regard. But that image
is only of the mind’s
vague structure, vague to me
because it is my own.
Love, what do I think
to say. I cannot say it.
What have you become to ask,
what have I made you into,
companion, good company,
crossed legs with skirt, or
soft body under
the bones of the bed.
Nothing says anything
but that which it wishes
would come true, fears
what else might happen in
some other place, some
other time not this one.
A voice in my place, an
echo of that only in yours.
Let me stumble into
not the confession but
the obsession I begin with
now. For you
also (also)
some time beyond place, or
place beyond time, no
mind left to
say anything at all,
that face gone, now.
Into the company of love
it all returns.
§
O Ato Amoroso
O que constitui
o ato amoroso,
fora o encontro
físico, você
é o meu bem,
não um valor como
o dos bancos –
mas um sentido auto-
suficiente, seco
por vezes como areia,
ou então árvores,
pigando de
chuva. Como alguém,
essa por assim dizer
pessoa, poderia
dizê-lo? Ele
ama, a mente
está ocupada, as
mãos se movem,
escrevem palavras
que lhe vêm
à cabeça.
Mas aqui,
o dia envolve
esse homem,
essa mulher,
sentados a pequena
distância.
O amor não
resolve – mas
aproxima,
sempre, faz
a umidade das
suas bocas e corpos
atuar
ativamente. Se eu
quisesse
uma imagem suja,
seria sempre
a de uma
mulher montada?
Sim
e não, são
opostos verdadeiros,
um você e eu
de non-
sense,
por nosso amor.
Mas, diz
alguém, o vento
alça, o céu
é muito azul, a
água acima
de mim faz
seus sons amáveis.
Você é
o meu
bem, que amá-
vel é todo o
teu corpo, como
todos esses
sentidos se
misturam, pra
que mesmo nos
teus braços eu
pense em você.
The Act of Love
Whatever constitutes
the act of love,
save physical
encounter, you are
dear to me,
not value as
with banks –
but a meaning self-
sufficient, dry
at times as sand,
or else the trees,
dripping with
rain. How shall
one, this so-
called person,
say it? He
loves, his mind
is occupied, his
hands move
writing words
which come
into his head.
Now here,
the day surrounds
this man
and woman
sitting a small
distance apart.
Love will not
solve it – but
draws closer
always, makes
the moisture of their
mouths and bodies
actively
engage. If I
wanted
a dirty picture
would it always
be of a
woman straddled?
Yes
and no, these
are true opposites
a you and me
of non-
sens,
for our love.
Now, one
says, the wind
lifts, the sky
is very blue,
the water just
beyond me makes
its lovely sounds.
How dear
you are
to me, how love-
ly all your
body is, how
all these
senses do
commingle, so
that in your very
arms I still
can think of you.