um encontro é a rua é
é a bebida é um deus é
é baco é limão & sal éé
é a rua é a poesia é é é
é preciso comer bem é
é preciso comerpoesia
pedríssimo baco, ao escolher um nome poesia –
a escrita poemática corre! uma acepção assíria —
‘morada’. morada, morada é um lugar é um nome
e um nome é um destino. e morada é mais que —
um nome, morada são chinas da alma, um devir &
um presente para passarmos tão-bem os tempos
sombrios, todos esses. os olhos agradecem sim a
poesia, enfim. ‘a verdade é dita com facilidade. é?
nina rizzi
***
POÉTICA
A poesia é mesmo caso sério:
vez por outra vai parar no cemitério.
E sempre volta, como um
zumbi literário.
A poesia brasileira anda broxa,
não mata a cobra,
esconde o pau
e espera ansiosamente pelo
próximo edital.
A poesia brasileira contemporânea
é esquizofônica;
uma hora fala duro,
na outra difícil (e demonstra
pouca propensão a atirar-se
de edifícios).
A poesia brasileira corrente é polida,
faz foto pro cartaz, gosta
de ser notícia no jornal, do caderno
de resenhas, é bonita
limpinha, correta e erra pouco.
Fuma mas não traga,
estupra mas não mata
e tá sempre em cima do muro.
O poeta? Que se foda! Ele que morra duro.
§
NA CASAMATA DE SI
Não quero ser
poeta de vestibular
ter versos cantados
consagrados canônicos
com lastro de interpretação
resposta certa e errada
trabalhado em sala de aula
citado pelos grandes mestres.
Antes ser
o poeta riscado em banheiro
falado à boca miúda
escrito em cantos do papel
passado à mão de mão em mão
sobrevivendo escondido
com um fuzil
habitando o que resta
de nós.
§
O TERROR
o terror
o terror do estado
o terror
o terror fardado
o terror
o terror invade a tua casa
o terror de terno e gravata exclamando bordão
o terror nas manchetes de jornal
o terror em muros grades estacas de edifícios
o terror habitando mansões
o terror assombrando a multidão
o terror
o terror promove chacinas genocídios
o terror trancafia o bem no cofre dos peitos
o terror justifica o terror
o terror lincha culpados e inocentes
o terror está armado de argumentos
o terror quer te convencer que é inocente
o terror é um homem de bem
o terror
o terror sangrando os dentes
o terror em comentários de portais
o terror misturado no arroz feijão
o terror pra nos manter calados
o terror reformatando as almas
o terror organizando as filas
o terror levando pras prisões
o terror
o terror estampado nas vitrines
o terror em 30 segundos comerciais
o terror sufocando o teu ar
o terror do alto de arranha-céus
o terror faz sombra nos mendigos
o terror não gosta de crianças
o terror
o terror
o terror
o terror vai estar lhe transferindo
o terror cochila às sextas-feiras
o terror não dorme nunca
o terror não te deixa dormir
o terror vende os teus rivotris
o terror é alucinogeno
o terror come teu fígado
o terror ainda vai te matar
§
O CORO DOS CONTENTES
não podemos reclamar
está tudo uma maravilha:
cada um em sua ilha, incomunicáveis
em celulares plugados,
caminhando desligados,
perdidos sem rumo e direção
essa prodigiosa geração
não podemos reclamar
economia nau vagando verdes mares,
pleno emprego a garantir
uma sobrevivência miserável
sem tempo para o que se desvela
aguardando um amanhã incerto
na angústia estalam tempestades
não podemos reclamar
produzir, produzir, produzir
máquina moendo a todos
apertados em latas de sardinha
parando no tráfego desinformações
nada anda
mas rendemos um bom troco
a troco de que?
não podemos reclamar
parar, respirar
resistência que nos cabe
flor que súbito abre
não mais refletir o espelho
que reflete e reflete e reflete
num jogo labirinto
sem chegar a lugar algum
não podemos reclamar
temos sangue, suor,
quem sabe até coração
belas estórias de amor
projetada em telas
tridimensionais
sem sequer nos atingir
não podemos reclamar
a ciência garante longa vida;
caixinhas de leite com soda cáustica,
cada um com a sua: deixam até colorir!
só não pode beber, fumar, comer,
embriagar-se de prazer
vivamos, pois, a contar
as faixas da colorbar
e não podemos reclamar
§
CURTO & GROSSO
A vida é dura,
não tem caô
nem KY.
§
Encham a Cara
(Charles Baudelaire – Trad. Pedro Tostes)
É preciso estar sempre bêbo. Tá tudo aí: essa é a parada. Pra não sentir a barra pesada do tempo que cai sobre os seus ombros te jogando no chão é preciso entornar o balde até chafurdar na lama.
De quê? De vinho, poesia ou virtude como você preferir. Desde que encha a cara.
E se alguma hora, na sarjeta duma mansão, num gramado bacana, ou no vazio quentinho do teu quarto, você acordar e o pileque tiver passando ou numa ressaca braba, pergunte pro vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, pra tudo que foge, tudo que geme, tudo que rola, tudo que canta, tudo que fala, pergunta que horas são. E o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio vão responder:
– É hora de enfiar o pé na jaca! Pra não serem funcionários sofredores do tempo encham a lata; bebam até cair! De cachaça, poesia ou virtude, como quiser.
§
Hard Porn:
§
Pedro Tostes é poeta istente. Já teve seus livros apreendidos e ainda sim não aprendeu. Fez parte da Poesia Maloqueirista, mas lembrou que sua mãe sempre o aconselhou a evitar más companhias. Editou a revista “Não Funciona”, cujo título expressa bem o sentido da sua vida. Seus crimes anteriores são também conhecidos como “o mínimo” (Ibis Libris, 2003), “Descaminhar” (Annablume, 2008) e “Jardim Minado” (Patuá, 2014), no entanto comete publicações em antologias e revistas desde 1996. Detesta escrever minibiografias, pois não gosta de apresentar crachá, preferindo o escracho. Quando risca palavras com sua pena, quase arrisca ter razão.
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