caros,
depois de quase um mês sem postar, dados os mais diversos e inimagináveis tipos de compromissos e ziguiziras, mando na lata uma série completa de poemas que muito me agradam e encantam.
a série ‘invisibilidade’ trata das pessoas, ou das coisas, que estão aí, ao redor de todos nós, dizendo algo ou calando. dizem respeito a palavras (e pessoas) que ecoam despercebidas através dos tempos, aquelas que já foram descartadas, as que utilizamos, ou as que apenas o são como são. as pessoas (ou coisas) que retratei aqui são as mesmas que sabemos que existem nas nossas vidas de todos os dias. talvez façam ou fizeram parte de vidas que já se foram, ou que as esqueceram. olhei-as por um outro prisma. devo também pagar tributo ao nome de will eisner, o maior inspirador dessa série. por meio de sua história ‘pessoas invisíveis’ (presente em new york), aprendi a olhar um pouco com os olhos dele. uns podem ler sob viés marxista, outros apenas pelo sentimentalismo, quiçá pela poesia-forma que dei a alguns. seja como for, espero que essa minha celebração das coisas invisíveis traga de volta um pouco da poesia que tanto me fez falta nos momentos em que a necessidade burocrática me enterrou em nuvens cinzas.
Vinicius Ferreira Barth
____________________
i. as janelas
dondoca
surtadinha poderosa
pesquisadora mãe
de cinco filhos crias de papel
machão
charuto fúria whisky puta infarto
abrindo a marmita
um pedreiro
pai de dois filhos
saudáveis honestos
ii. o porão
inverno
25 está sem gás
e liga
e 29 e 17
reclamam do barulho
lixo faz mau cheiro
no jardim
mendigo mete a mão
nos restos
25 o gás
mendigo dona sandra
dona beti
barulho liga fode
nunca mais
te vi
e o lixo
o cheiro 17
criança no jardim
42
quer a correspondência
quer conserto
o 25
o gás arranca flor
criança no jardim
mau cheiro arroz
feijão arroz feijão
salário acerto
chuveiro frio sozinho
o zelador
iii. a calçada
desvia do pedregulho
a massa geral
cinzenta forma
vida serpenteia
em círculos alarido
e sirenes gritos
barulho selvagem
vida que tenta
circundar pura
candeia um
mendigo tão colorido
iv. os papéis
voando incertos sobre vias
venéreos ditos
feito lixo em rota ingrata
(asfalto e sola de sapato)
paixões de alguém que não é visto
nem importa
v. a jóia
no beco
uma fortuita descoberta
(vê, pois, meu caro
quê?
uma áurea jóia!
uma aliança
Antônio ali gravada!
que qualidade
e cor
fino banhado!
quão rico o belo entorno
e quão lustrosa!
que bons auspícios traz o matrimônio!
a nós?
quiçá u’a pedra
um pico
um fumo!)
vi. o quadro
uma história sintética de um patrimônio:
no lixo
achou-se um quadro
(obra da humanidade)
recuperados
US$20.000.000
vii. o torcedor
hoje tem jogo
vamo
hoje tem jogo
quem sabe se hoje engrena e dá um respiro
na quarta fora
vamo que eu prefiro
3 pontos hoje
1 lá co botafogo
jogo ruim
não vai cair! não creio!
juiz filhadaputa foi escanteio
deu pênalti.
zagueiro pipoqueiro
agora se tomar…
fudeu
é caixa
mengo avaí bahia inter cruzeiro
ao menos três vitórias
que não baixa
só faço conta
afundo o pensamento
mas de casa não saio sem a faixa
sem a camisa
e um dedicar inteiro
ao meu torcer contra o rebaixamento
viii. a pré-escola (faixa-bônus)
crianças, atenção aqui!
(bababadalgharaghtaka
mminarronnkonnbronnt
onnerronntuonnthunnt
rovarrhounawnskawnto
ohoohoordenenthurnuk!)
crianças, atenção aqui!