aviso: este post vai ser longo. não vou falar demais de pound, porque todo mundo sabe – & quem não sabe, vire-se.
só uma nota sobre as traduções. eu conheço duas: uma parcial dos irmãos campos com o décio pignatari (doravante, o trio). a tradução é apenas daquela parte mais famosa, que encerra o canto (“what thou lov’st well remains, &c.“), é uma bela duma tradução – só uma coisa eu teria a comentar/criticar: deixa de lado um dos poucos momentos em que o nosso amado pound decide escrever em pentâmetros jâmbicos, aí ficamos com uma bela tradução em verso livre.
sim, estou cometendo a pior das heresias (mea culpa, mea maxima culpa) em criticar o trio concreto como tradutor. mas considerem, é uma crítica bem leve, de um período em que eles ainda estavam vindo a se tornar o patrimônio que são.
eu também posso ser um idiota.
mas voltemos: a outra é completa, do josé lino grünewald. & a tradução dele, bem… a tradução dele não é bela; claro que já é louvável pelo ímpeto de ter traduzido todos os cantos, mas é uma tradução mequetrefe dum grande poeta. fica boa em várias partes, porque o original é tão bom que aguenta até tradução marromeno. o pior, talvez, seja o simples fato de que o grünewald achata aquela variedade de registros, tons e ritmos do velho pound – essa variedade é o pound.
agora venho eu com a minha: tentei manter esses aspectos de variedade rítmica, estilística, manter aquela linguagem mais formal e arcaizante na série final e mais famosa. se presta, deixo pra vocês.
eu também posso ser um idiota. até o pound era um idiota, às vezes.
CANTO LXXXI
(Ezra Pound, tradução Guilherme Gontijo Flores)
Zeus no abraço de Ceres
Taishan cercado por amores
sob Citera, antes da aurora
e disse: “Hay aquí mucho catolicismo – (soava catolitismo)
y mui poco reliCHion”
e disse: “Yo creo que los reyes desaparecen”
(O reis, eu creio, vão sumir)
Era o Padre José Elizondo
em 1906 e em 1917
ou lá por 1917
e Dolores disse: “Come pan, niño”, coma pão, minino
Sargent a tinha pintado
antes de descer
(i.e. se é que ele desceu)
mas naquele tempo ele fazia esboços,
impressões de Velázquez no Museo del Prado
e os livros custavam uma peseta,
candelabros de bronze em proporção,
um vento quente vinha dos charcos
e um frio mortal das montanhas.
E depois Bowers escreveu: “mas tanto ódio,
eu nem sequer concebi”
e os vermelhos de Londres não revelavam seus amigos
(i.e. amigos de Franco
trabalhando em Londres) e em Alcázar
após quarenta anos, disseram: “volte pra estação e coma
pode dormir aqui por uma peseta”
sinos de cabra tilintando a noite inteira
e o sorriso amarelo da anfitriã: Eso es luto, uha!
mi marido es muerto
(é luto, meu marido está morto)
quando me deu um papel pra escrever
com bordas negras de mais de meia polegada,
digamos 5/8 avos, da locanda
“Nós chamamos todos os estrangeiros de francezinhos”
e o ovo se quebrou no bolso de Cabranez,
e fez história. Basil diz
que tocam tambores por três dias
até que estoure as peles
(simples fiesta de aldeia)
e quanto à sua vida nas Canárias…
Possum observou que a dança folclórica prutuguesa
era dançada pelos mesmos dancarinos em locais diversos
numa acolhida política…
a técnica da demonstração
foi Cole que estudou (não G. D. H., Horace )
“Você encontra” disse o velho André Spire,
que todos naquela repartição (Crédit Agricole)
têm um cunhado
“Você o único, eu os poucos”
disse John Adams
falando de medos em abstrato
ao seu volátil amigo Mr. Jefferson.
(Quebrar o pentâmetro, eis a primeira ânsia)
ou como diz Jo Bard: ele nunca se falam,
se é visivelmente padeiro e porteiro
é audivelmente La Rochefoucauld e de Maintenon.
“Te cavero le budella”
“La corata a te”
Em menos que uma era geológica
disse Henry Mencken
“Uns cozinham, outros não cozinham
certas coisas não se alteram”
Ιυγξ ….. ἐμὸν ποτί δῶμα τὸν ἄνδρα
O que vale é o nível cultural,
valeu Benin, pela mesa ex embalagens
“num diga pa ninguém queu fiz”
de uma máscara qualquer de Frankfurt
“Vai ti tirá do chão”
Leve como a rama de Kuanon
E de cara, desapontado com aquele quais fajuto
e devastado, mas depois viu as
grandes rodas de carroça
e reconciliou-se,
Geoger Santayana ao chegar no porto de Boston
E conservou até o fim da vida o vago thethear
do espanhol
feito uma graça quase imperceptível
tal como Muss com o v e o u de Romagna
e dizia que a dor é um ato pleno
renovado a cada condolência
crescendo até seu clímax.
E George Horace disse que “cooptaria Beveridge” (o senador)
Beveridge não falaria e ele não escreveria aos jornais
mas George o fisgou acampado em seu hotel
e assediando para almoço café e janta
três artigos
e o meu velho inda carpia o milho
enquanto George lhe falava,
atravesse um terreno baldio
onde se possa ver um coelho selvagem
ou tarveis um que escapou
AOI!
uma folha no fluxo
em minhas grades nada de Althea
libretto
Mas
Antes que esfriasse a estação
Levado nos ombros dum zéfiro
Me alcei no céu dourado
Que Lawes e Jenkins guardem teu descanso
Que Dolmetsch em teu lar tenha remanso,
Será que temperou a madeira da viola
Pra reforçar o grave e o agudo?
Será que nos curvou o bojo do alaúde?
Que Lawes e Jenkins guardem teu descanso
Que Dolmetsch em teu lar tenha remanso
Será que tu criaste um clima tão petiz
Para extrair a folha da raiz?
Será que encontraste a nuvem tão leve
Que não pareça sombra ou bruma?
Então me explica, fala curto e breve
Se Waller canta ou Dowland apruma.
Teus ói matárume de súbito
Num resisti a tal beauté
E por 180 anos quase nada.
Ed ascoltando al leggier mormorio
veio uma nova sutileza de olho à minha tenda,
seja de espírito ou de hipóstase,
mas o que a venda oculta
ou no carnaval
e nenhum par mostrou desgosto
Só viu seus olhos e a postura entre os olhos,
cor, diástase,
incauto e desatento de que não havia
todo o espaço da tenda
nem havia lugar para um Ειδὼς completo
transpassar, penetrar
lançando apenas sombra além das outras luzes
clarão do céu
maré da noite
verde do poço na montanha
brilhou do olhar desmascarado num espaço a meia máscara.
O que bem amas resta,
o resto é pó
O que bem amas não será roubado
O que bem amas é a real herança
Mundo de quem: meu, deles,
de ninguém?
Veio o visível, depois o palpável
Elísio, mas nas câmaras do inferno,
O que bem amas é a real herança.
O que bem amas não será roubado.
A formiga é um centauro em seu mundinho.
Abaixo à vaidade, não é o homem
Quem construiu coragem, ordem, graça,
Abaixo à vaidade, eu disse abaixo.
No mundo verde vê teu posto e abraça
Na escala da invenção, ou no artifício,
Paquin, abaixo à vaidade,
abaixo!
O casco verde venceu tua elegância.
“Domina-te, que os outros te suportam”
Abaixo à vaidade
Tu és um cão surrado, no granizo,
U’a pega inchada sob um sol errático,
Que meio negra e meio branca
Confundes asa e rabo
Abaixo à vaidade
Os ódios vis,
Filhos da falsidade,
Abaixo à vaidade,
Veloz destróis, avaro em caridade,
Abaixo à vaidade,
eu digo abaixo.
Mas ter agido, em vez de calar
não é vaidade
Ter, com decência, batido
Para que um Blunt abrisse
Ter recolhido do ar a tradição mais viva
ou de um belo olho velho a chama imbatível
Não é vaidade.
Aqui o erro consiste em não agir,
em timidez que vacilou…